A Reforma Tributária da renda e do consumo colocou empresários e contadores em estado de alerta – com razão. O problema é que, no meio de mudanças relevantes, ganham força justamente as leituras apressadas de normas recentes, muitas vezes embaladas em vídeos de 30 segundos, carrosséis e manchetes que rendem engajamento, mas não sustentam uma conversa técnica com o Fisco.
Nas últimas semanas, dois movimentos completamente distintos foram misturados como se fossem a mesma coisa:
- A Solução de Consulta COSIT nº 244/2025, que tratou da isenção de lucros distribuídos a sócios de empresas do Simples Nacional; e
- A Lei nº 15.270/2025, que altera a tributação da renda e passará a tributar lucros e dividendos de altas rendas a partir de 2026.
Vamos por partes.
1. O que a COSIT 244/2025 realmente diz sobre lucros do Simples
A COSIT 244/2025 nasce de uma dúvida recorrente: como fica a isenção do IRPF sobre lucros distribuídos a sócios de ME/EPP optante pelo Simples Nacional, especialmente quando a empresa quer distribuir lucros dentro do próprio ano-calendário, com base em balanços ou balancetes intermediários.
A solução de consulta deixa claro, em resumo:
- O assunto é IRPF do sócio, não é IRPJ, não é Simples Nacional em si, não é Reforma Tributária da renda.
- Para ME/EPP do Simples com escrituração contábil regular, é possível distribuir lucros mensais isentos (sem IRRF), desde que os balanços/balancetes demonstrem lucro superior ao limite “presumido” do art. 14, § 1º, da LC 123/2006.
- Na Declaração de Ajuste Anual do sócio, o lucro isento será:
- lucro contábil anual evidenciado (para quem tem escrituração); ou
- o valor obtido pela aplicação dos percentuais do art. 15 da Lei 9.249/1995 sobre a receita bruta anual, menos o IRPJ pago no Simples, quando não há escrituração contábil.
Ou seja: a COSIT reorganiza e esclarece o que já estava na LC 123/2006 e na Resolução CGSN 140/2018, e não cria nenhum regime novo. E mais importante, a própria Solução lembra que o instituto da consulta está no plano da interpretação, não da criação de direito novo. Como poderia a RFB, com apenas dois dias da publicação da Lei 15.270/2025, já responder a questionamento do contribuinte sobre a norma tributária? (que neste caso, nem regulamentada está – até o fechamento deste artigo). A RFB interpreta a legislação; quem precisa enquadrar corretamente os fatos é o contribuinte (por meio de seu consultor). Chamar isso de “nova regra de tributação de lucros do Simples” ou de regulamentação da Reforma tributária da renda, é no mínimo, exagero.
2. O que a Lei 15.270/2025 mudou – e por quê isso NÃO é a mesma história
A Lei 15.270/2025 resulta da conversão do PL 1.087/2025 e trata de Reforma do IRPF, com dois eixos principais:
- Ampliação da faixa de isenção e ajustes de tabela;
- Criação de um imposto mínimo para as chamadas altas rendas, inclusive com tributação de lucros e dividendos distribuídos a pessoas físicas acima de determinados patamares mensais e anuais.
No tema lucros e dividendos, as linhas gerais são:
- IRRF de 10% sobre dividendos pagos a pessoas físicas residentes que ultrapassarem R$ 50 mil no mês, a partir de 2026;
- Imposto mínimo anual para rendimentos globais acima de R$ 600 mil ao ano, com alíquotas progressivas até 10%, também considerando dividendos; e
- Regra de transição para lucros apurados até 2025, cuja isenção pode depender da aprovação de distribuição até 31.12.2025, conforme análise mais detalhada de cada caso.
Observe o ponto central: a Lei 15.270 não é uma lei “sobre Simples Nacional”. Ela altera a tributação da renda da pessoa física (e de não residentes), mirando altas rendas. O fato de o sócio ser de empresa do Simples, do Lucro Presumido ou do Lucro Real passa a ser apenas um pedaço da equação: o foco da lei é o conjunto de rendimentos dessa pessoa.
Misturar a COSIT 244 com a Lei 15.270 como se fossem peças de um mesmo “pacote anti-Simples” é uma distorção conceitual. Uma trata da forma de apuração e comprovação do lucro isento no regime vigente; a outra institui um novo nível de tributação para quem recebe dividendos em patamares elevados a partir de 2026.
3. Algumas leituras distorcidas que confundem os empresários – e onde estão os problemas
Nas redes sociais, proliferaram publicações com mensagens do tipo:
- “Receita confirma que a distribuição de lucros no Simples Nacional permanece isenta”;
- “COSIT 244 garante que os lucros do Simples continuam fora da tributação de dividendos”
Não se nega que a COSIT reafirma a isenção de lucros distribuídos por empresas do Simples quando respeitados os critérios legais (limite calculado com base no art. 15 da Lei 9.249/1995, subtraindo o IR do Simples; ou lucro contábil devidamente evidenciado). Mas os problemas começam quando essas mensagens:
- Tratam a solução de consulta como “salvo-conduto” geral, ignorando que ela parte de uma situação concreta, com pressupostos fáticos específicos, e que a própria RFB afirma que a consulta não convalida nem invalida fatos que não tenham sido corretamente descritos;
- Fazem crer que a Lei 15.270 teria sido “neutralizada” para quem é do Simples, como se o novo imposto mínimo e a tributação de dividendos não alcançassem pessoas físicas com alta renda decorrente justamente dos lucros dessas empresas;
- Empurram o debate para o “tudo ou nada”: ou está “tudo isento para sempre” ou “o governo vai confiscar o lucro da pequena empresa”, em vez de encarar a discussão onde ela realmente está – na prova do lucro e na coordenação entre a tributação da pessoa jurídica e da pessoa física, em patamares elevados de renda.
Quando um empresário lê apenas a manchete, sem olhar para o detalhe de escrituração contábil, limites de isenção, forma de cálculo e nova mecânica de IRPF mínimo, a sensação é de alívio imediato, que por vezes não se sustenta, sem a devida orientação técnica.
4. Informação e responsabilidade técnica
A combinação COSIT 244 + Lei 15.270 é um prato cheio para quem vive de vender pânico ou vender mágica/milagre: ou se grita que “acabou a isenção do lucro” ou se promete que “é só fazer de tal jeito que nada nunca será tributado”. Nas duas pontas, falta o que interessa: formação. Informação é o dado solto, a frase de efeito, o recorte da tela do Diário Oficial. Formação é o trabalho de costurar esses elementos na prática do cliente, com números, cenários, DRE projetada, política de distribuição de lucros, avaliação de reservas e planejamento para 2025/2026.
Se você é empresário, desconfie de conteúdo que promete “segurança jurídica” em um vídeo de 30 segundos. Avaliar a correta aplicação de Leis, soluções de consulta e resoluções ao caso concreto não cabem em um vídeo de rede social; demandam uma boa conversa com assessoria tributária que coloque os números da sua empresa e sua situação específica na mesa.
Se você é contador ou consultor, cuidado para não repetir, em nome do “didatismo”, exatamente os mesmos vícios que criticamos nas redes: simplificações que ignoram contexto, base legal, vigência e interação entre pessoa jurídica e pessoa física.
O cenário para 2026 exige menos slogans e mais técnica. Entre o fato e o boato, quem decide é sempre a fonte que você escolhe ouvir.
Daniel Portella – Contador e Consultor Tributário – Sócio da TXKapital Inteligência Fiscal e Tributária
CRC-SP nº 300001/O-0
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